sábado, 2 de maio de 2015

Por que todo gestor deveria conhecer o autismo?

Olá caros leitores!

   Hoje quero relatar algo que advém da minha experiência como profissional alinhado à atividade social que exerço no grupo Autismo Jataí. Essa história começa em 2012, quando um casal de amigos, pais de uma criança autista, me convidam para trabalhar em um evento social que seria a primeira mobilização do GAJ (conheça mais sobre a história do grupo aqui) . Com o tempo comecei dedicar alguns esforços em prol da causa e hoje continuo exercendo algumas funções específicas em parceria com outros companheiros e também me dedico em estudar e visitar instituições inclusivas fora da cidade.

   Definir o autismo em uma postagem de blog é como tentar definir a história de um país em uma frase. O tema é muito complexo e altamente abrangente e está presente em diversas áreas do conhecimento, sugiro algumas leituras específicas sobre o tema para uma melhor compreensão. Mundo Singular - Ana Beatriz Barbosa Silva é uma excelente introdução.
   O autismo (TEA -> Transtorno do Espectro Autista ou ASD -> Autism Spectrum Disorder), em termos rápidos, é um transtorno global do desenvolvimento, que afeta determinadas áreas do indivíduo, tais como: comunicação, sociabilização e coordenação motora. O TEA se manifesta em diferentes escalas, varia de pessoa para pessoa, justificando o termo "espectro", pois ele representa um conjunto de possibilidades que enquadra o indivíduo na condição de autista.
I Congresso Internacional de Autismo e Síndromes
Correlacionadas - PAICA 2015
   Qual a relação do TEA com Gestão? Bom, dentro de toda gama de possibilidades de reflexões, a mais pessoal que posso trazer é a seguinte: Devido a especificidade de manifestação do autismo, por cada autista ser único na forma de aprender e relacionar, ele nos lembra que cada pessoa é ÚNICA.
   Administrar é algo que a humanidade faz desde o tempo das cavernas, porém Ciência Administrativa surge como corolário da revolução industrial. Na escola clássica da administração temos uma grande influência de Henry Ford (sim, o criador da montadora de carros) que disse certa vez: "O cliente pode ter carro de qualquer cor, desde que seja a preta". Bom, sabemos que dentre as várias contribuições dessa escola, uma delas foi a implementação da esteira de montagem e a padronização da produção. Quando Ford diz que o carro pode ter qualquer cor, desde que seja preto ele quer dizer que o carro produzido necessariamente tem que ser o preto, pois quando existe padronização de processos na produção, pode-se produzir mais volumes em menos tempo, possibilitando maior cobertura e atendimento de demanda no mercado. 
   Claro que os modelos da Ciência Administrativa evoluíram, da mesma forma como o tempo, contexto histórico, comportamento do consumidor e concorrência também mudaram. Porém é um erro comum que muitos gestores ainda sem atentem demasiadamente à produção/atendimento em massa e acaba esquecendo a grande demanda comercial que o século XXI pede: O olhar sistêmico sobre o grupo de clientes/colaboradores e também o respeito e atendimento às demandas individuais que é inerente a cada indivíduo. 
   Temos algumas estatísticas assustadoras. No início da década de 90, aproximadamente 1 a cada 1000 crianças eram diagnosticadas com TEA. Em 2010, segundo o CDC Norte Americano, 1 a cada 110 eram diagnosticadas. Hoje esses números variam de acordo com a região. 1 a cada 52 nos EUA, 1 a cada 97 no Brasil e 1 a cada 37 na Coréia do Sul (!!!!), Ainda não sabemos a causa de números tão grandes, se é o aumento de informação, aumento dos limites do espectro para diagnóstico, maior acesso ao diagnóstico ou se os casos realmente vem aumentando tanto. 
   Vejo um grande clamor do cosmos (já que estamos falando de escolas clássicas, rsrs) nos exigindo mudanças e adaptações. O consultório odontológico ou médico sem estrutura e preparo profissional para atender esse grupo de pacientes, que chamamos de especiais, dificilmente conseguirá proporcionar um bom atendimento à esse grupo. A escola regular, que por lei deve aceitar a matrícula do aluno autista e proporcionar professores de apoio para os especiais, que não entrar num processo sincero de adaptação estrutural para atender essa demanda também está fadada a não proporcionar o melhor serviço. 
   Não só na saúde e educação, o dono do mercadinho que não instruir e treinar seus atendentes a atenderem as crianças especiais, que também aprendem a fazer compras e usar dinheiro em função da sociabilização, tem muito a perder por não conseguir se adaptar à essa nova realidade. 
I Encontro Universitário: Autismo
Informação e Debate
GAJ
   Trabalhar com o autista, reiterando, nos coloca a pensar na individualidade. Muitas vezes nos acomodamos com os processos massificados, repetitivos e homogêneos, aí quando precisamos de sensibilidade já estamos estagnados demais para percebê-la. Minha cidade, Jataí-GO, possui um dos mais belos cartões postais do interior do estado: O Cristo Redentor. Um monumento belo à uma altura privilegiada que proporciona uma indescritível visão da cidade. Seu acesso é tão poético quanto a visão lá de cima, uma escadaria com aproximadamente 150 degraus mesclados com pequenas rampas cercado com 15 monumentos artísticos que representam a Via Sacra, tradição comum da religião Católica. Sempre que volto nas memórias, já existe esse monumento enfeitando uma das entradas da cidade. Logo creio que ele tenha aproximadamente minha idade ou que seja até mais velho. O turista normalmente acha belíssimo o mirante, assim como sua estrutura. Porém outros ficam demasiadamente chateados por não conseguirem acesso para subir, pois o Cristo não possui rampas para cadeirantes! Qualquer pessoa que precise de um acesso secundário pode até subir por uma rota alternativa, obrigatoriamente de carro, que passa por dentro da área militar, pega estrada de terra e ainda faz um percurso mais longo e oposto ao sentido tradicional, ou seja: sem a Via Sacra. 
   Claro, o Cristo é uma construção mais antiga, respeitemos o nosso contexto histórico. Mas provavelmente, claro leitor, aquele que se sentiu mal pelo difícil acesso ao monumento pode ter sido um cadeirante ou algum familiar que sentiu a necessidade de carregar seu ente especial nos braços para uma apreciação turística. 
   O neurotípico  (não autista) ou seu familiar dificilmente perceberá falhas na estrutura ou atendimento que poderiam ser adaptados, pois é uma experiência que não faz parte da sua rotina. O gestor muitas vezes cai no mesmo padrão de repetição e conformidade. Estar em contato com o autista o coloca para refletir continuadamente em sua estrutura e grupo. Se o desejo do gestor é conseguir a excelência no atendimento, pensar no atendimento inclusivo é fundamental. 
   Atendimento inclusivo é considerar o cliente/stakeholder/colaborador como indivíduo único, resultado de experiências, educação e cultura. É ainda colaborar, de alguma forma, com sua essência progredindo com seu crescimento e desenvolvimento moral/social. Consideramos ainda seu crescimento humano e de seu grupo, enquanto gestor, gerando fidelização e se tornando referência no atendimento. 
   O modelo de padronização foi importante para organizarmos a economia e mercado em vários aspectos, porém já foi superado. O atendimento, qualidade e fidelização do público alvo são as chaves para a manutenção do comércio/prestação de serviços nesses novos tempos. Pobre seria Henry Ford se não tivesse adaptado seus carros a tantos modelos, mercados, nichos, possibilidades de acessórios, etc.
   Sair da caverna, ou da "caixa" se preferir, é fundamental, meus caros! 
   Um abraço e muita luz! 

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